Para o meu filho velho


Hoje apetecia-me comer cerejas, grandes e duras, roxas ou brancas, desde que doces. Hoje apetece-me apenas falar do momento em que tu, grande e deliciosa cereja, começaste a crescer dentro de mim, meu filho. Lembro-me de que quando soube que a intuição que me dizia estar grávida era certeira, fiquei aflita; já não era responsável por mim, as minhas acções teriam consequências multiplicadas ao quadrado. Lembro-me de ter pensado: já não me posso matar, que é o cúmulo da liberdade para quem tem 19 anos.
Lembro-me de um dia, meu amor, enquanto andávamos às compras para a tua festa de aniversário, afastámo-nos, cada um para o seu corredor. Conforme a música de fundo do Continente mudou, petit private joke, virámo-nos os dois e os nossos olhares cúmplices fundiram-se num sorriso, entre dezenas de estranhos. Esse sorriso, como a imagem da tua queda vertiginosa do meu corpo, são a prova da mais irrefutável união entre dois seres. Já ouvi dizer que os filhos não se escolhem, mas tu, meu pintainho cabeçudo, estavas destinado para mim.

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